segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Faroeste

O ato de fumar sozinho ainda não conhece equivalência no mundo do politicamente correto. O detalhe do sozinho torna o ato - no sentido freudiano mesmo – meio indecente, cheira crime e cheira bem, não atinge nada nem ninguém, mas parece tão bom que deve ser errado. A porta desse submundo aromático te convida para um livro antigo, você escolhe uma música com voz de mulher, rouba do seu próprio bar um dedinho de conhaque e se entrega às baforadas, como se o resto fosse detalhe. A ausência do mundo, a certeza do amor (ausente, mas sempre presente), o cheiro da casa e a saudade preguiçosa, deitada no pé que nem cachorro. Você sonha com as velhas botas, a bituca caída na areia do deserto, todos os sentidos acusando poeira e calor enquanto aquela velha dor conhecida e planejada espalha-se pelo corpo judiado de estrada. Entre olhares severos, o cheiro de mundo antigo - sem concreto, sem asfalto, sem portões automáticos – volta como novo. Você pode quase escutar o zunido horrendo das moscas que sobrevoam aquele cachorro surrado deitado na porta daquele único bar daquela cidade esquecida. Você ouve os motores ao longe, conhece cada um, esquece cada um. Você tem sede. O ventilador range no teto sobre o bar de madeira de lá e, mais perto ainda, sobre o seu conhecido sofá. O gato pula no colo, te assusta, você ri e vai buscar uma coca na geladeira.