sábado, 28 de agosto de 2010

Pseudo-modernidade

Os modos primitivos já incluiam peles pintadas de crenças, ritmo pulsante em volta do fogo e ninho cheirando comida. Quando o bicho pega, dá saudades da caverna.

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Basilica di San Pietro

Não é uma questão de fé, o problema é que o Catolicismo me assusta. Sentia-me uma formiga isolada ao olhar tanto sangue e martírio enquanto milhares de turistas horríveis riam alto e batiam fotos insensíveis. Minha insignificância acuada no mármore e tudo em volta ecoando tristeza e riqueza, riqueza e tristeza, tristeza e riqueza, num pêndulo da arte colossal que num relance podia me arremessar no escuro da culpa. Sempre pegajosa culpa. Navegar na superfície, como quem tirava fotos com celulares alienígenas, só seria possível se estivesse embebida na lama da ignorância. (Ali, mais que nunca, soava pegajosa aquela ignorância.) Entre a cruz e a Apple, um arrepio gelado escorregava pela minha nuca. Era preciso achar alguma coisa de humano por trás do imenso, era preciso sentir alguma coisa de amor embaixo do sangue, era preciso enxergar alguma coisa divina acima do passeio... Nada tão imenso é comprado com dinheiro. Era preciso curvar-se ao Poder que impulsiona a História. Não foi possível não sentir medo.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

Eu juro que sonho essas coisas...

Noite branca, respiração de fumaça. Eu era ele e dava ordens. A equipe media dados, movia equipamentos, discutia aos berros. Luzes mínimas refletiam no gelo que era chão.
De repente, escutamos a tropa - estavam próximos. Peso nas costas, lanternas baixas, cães ofegantes. Movíamos em silêncio, com pressa, neve até os joelhos. Umidade entrando por baixo da pele. Urgência – avisar - salvar. Muita noite ainda.
Longe depois, vimos luzes nas janelas e lá em cima, prédios de gente, movimento de vida.
Subida difícil, pressa para cima, mãos de luvas em plantas de lama que escorriam na encosta. Ex-plantas, lama de neve. Branco de morte. O esforço de mãos, pernas e patas fazia o ar quente virar nuvem de fumaça. Pressa, pressa, pressa. Nada se via. Urgência danada.
De repente – BUUUM!!!!!!!! Nuvem de fumaça. Noite vermelha, fogo nas janelas. Tarde da noite, a vida fumaça. Todos na lama, respiração na neve. Urgência de nada.

domingo, 15 de agosto de 2010

Green, go.

WE ARE AGAINST WAR AND TOURIST MENU.
Essa era a placa na porta do restaurante do Trastevere. Minha leitura imediata:

Seus valores não valem de nada por aqui, não se encaixam, não se aplicam. Não pretenda saber o que é bom para mim, nem saia da sua Terra para vir até aqui olhar seu reflexo no espelho. Não entendeu? O Carravagio está na Villa Borghese. Vai lá e pensa. Existem outros mundos, outras culturas, outras milhares de maneiras mais bonitas e elegantes de pronunciar o erre. Estávamos aqui antes de você nascer, fomos maiores, melhores e mais megalomaníacos. Veja o que aconteceu. Tudo passa. Já está passando, os ciclos se fecham: sinta no ar. Sua ambição nem de longe é novidade. Olhe e veja. Reis do espetáculo? Já existiram outros gladiadores, meu bem, antes do Russel Crowe nascer. Aprenda que nem tudo que te disseram era verdade. O universal é uma ilusão. A Univesal também. Gordura? Como se vê por aqui, a culpa não é do carboidrato. A verdade dura um segundo. Não me diga o que fazer, nem decida o que é melhor para mim. Nem para os outros. Menos, entendeu? O seu dinheiro? Bom, eu preciso dele, não vou negar. Mas não vou mudar meu tempero só porque você cresceu comendo ketchup. Aniting two trink?

terça-feira, 10 de agosto de 2010


O som de Roma é o som da água brotando do mito e batendo na pedra.

sábado, 7 de agosto de 2010

Amanhã é dia dos pais...

Na minha cachola, tristeza, vitrola, cachola, vozzzzzzzzzzz......

"e pra fazer um samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza, é preciso um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza, um bocado de tristeza...."

Saudades, querido! Manda um beijo para ela também?

(Samba da Benção. Vinicius de Moraes e Baden Powell)

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

As Árvores

Quanto maiores, mais sensíveis ao som.
Os bosques suspiram longos silêncios.
A terra úmida elas guardam aos seus pés.
Engole nossos passos.
Nossos passos.
Não interessam.
Elas...
Silêncios.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

O grito

A senhora Millena Millor, a Mimi, acreditava piamente que a Vida lhe devia algo. Passava seus dias infeliz, reclamando o prazo de entrega, esbravejando contra o obeso Mundo que parecia ter sido plantado no meio do caminho para impedir o pagamento da citada dívida. Azeda, sentindo-se injustiçada, não cansava de cobrar a Vida, que escorregadia, insistia em não atendê-la.
Seu marido, o senhor Dr. Pedro Millor achava que podia domar a brava Vida. Passava seus dias na batalha, selecionando armas e instrumentos de dominação, preparando-se para os próximos confrontos. Atento, planejava cada passo com antecedência, programava-se, dava ordens. O que mais o irritava eram as Surpresas. Ah, as Surpresas... Sempre muito bem enfeitadas, de malas na mão, batendo na porta da frente nos momentos mais inconvenientes... Elas sempre o amaram apesar de ele tratá-las muito mal.
Joana, filha do casal, sempre recebeu a Vida como uma valiosa e inesperada batata quente sendo jogada em seu colo no de repente. Tratava-a como uma fina louça chinesa rodopiando em cima de uma haste cristal ou um livro de segredos milenares escritos em folhas de seda equilibrados em cima da cabeça quando se desce uma escada em caracol. Sem questionar, duvidar ou avaliar foi tentando levar a Vida cuidadosamente, delicadamente, um pouco mais para esquerda, um pouco mais alto, um pouquinho mais rápido, foi demais, cuidado... Mas a Vida bebeu, tomou tombo, queimou sua mão, pisou no seu pé, fugiu do eixo, do prumo, da vista... até que um dia, a Vida, do nada, queimou-a de verdade. Joana magoou sério, deixou a vida de lado por um tempo, escondeu-se dela e de todos.
Os pais de Joana ficaram arrasados. Mimi achou que era pessoal, um baita desaforo da Vida! O certo, depois dessa, é que a Vida lhe pagasse em dobro aquilo que devia, mas até onde se sabe, não sabia. O senhor Dr. Pedro achou que era culpa dele, que ele sim é que deveria ter protegido melhor a menina! Passou a levantar mais cedo e propôs para a filha um programa de treinamento para que ela evoluísse no domínio da Vida.
Joana não escutou. Sentia que o problema da Vida era com ela e não com seus pais. Depois de muito pensar, avaliar e questionar, numa fria manhã de neblina, antes do Mundo acordar, Joana abriu a porta da frente e gritou:
- Heeeei, dona Vida, eu sei que você está aí! Vidaaaaaaaaaaaa! Cadê você? Eu! Aqui! Pronta! Que diabos você guardou para mim? Vidaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!
Os pais nunca mais viram a menina. Mimi toma comprimidos e não fala coisa com coisa. O senhor Dr. Pedro não sai mais do quarto, dizem que bebe. Se você tiver alguma notícia, por favor, entre em contato.