sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Começa assim, de repente, sem aviso.

Desde então, desde quando meus amores começaram a vazar do mundo concreto e se instalar no mundo da abstração, eu durmo invertida igual morcego. Átridas modernos. Todos. É como se aquele episódio definitivo, que antes era só palavra, tivesse virado elefante. Entra assim, em modo contínuo, como corda que escorrega pelas mãos. Elas sangram. Somos irrelevantes. Todos, claro. Mas agora mesmo eu estou só pensando em mim mesma, nessa coisa de amor que escorre e vaza. Meus queridos de antes, imensos como a lua, claros e escuros como a lua. Mas a lua sempre vem, sempre volta, e eles já foram, mas nunca foram. Nunca vão, mas não estão. A ausência é concreta, ocupa espaço, circula pela casa, te empurra da cama. Te lambe. Fica sempre por aí, no ar, no chão. A ausência nunca te esquece. Nunca me esquece.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Eu amo a minha celulite!

Eu não conto mais calorias e já aprendi com a vida que três quilos a mais ou a menos não fazem a menor diferença. Mesmo. O prazer sim, esse faz uma diferença enorme. Adoçante para mim é veneno e já decidi que eu não mereço viver sem manteiga. Eu não corro, não nado, não me peso e não sofro mais por isso. Acho mais fácil viver sem carro do que sem pizza e não me venha com iogurte de sobremesa porque isso eu considero uma ofensa. Gosto de sorvete com calda, daquela que escorre e mela os dedos, a mesa e o sangue. Gosto das coisas que alimentam os sentidos, comida com cheiro, comida que convida. Na verdade, devo confessar que eu amo a minha celulite. Simplesmente amo. Minha celulite é uma marca de feminilidade de design absolutamente exclusivo. Ela é totalmente orgânica, e além do mais, não para de evoluir! A minha celulite tem um movimento, uma malemolência, uma coisa meio ancestral, temperada em baixo relevo, meio malandra até. Minha celulite não freqüenta academia. Minha celulite dança. Ela é uma celulite totalmente brasileira e também por isso, merece respeito. Além disso, ela é minha e sempre será, fui eu que fiz, fui eu que esculpi. Agora, se você não gosta da sua, por favor, não me encha o saco!

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

The move

I went there because I needed something and I knew I deserved it, but somehow… I didn’t get it. I got something else. Something different that felt like... disappearing, like a carpet or a ray of light, as if it never existed, like something invented, but never ever unexpected. Maybe this was the huuuge gap. Wrong foot, wrong strategy, wrong love.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

A cidade

Essa concha está me sufocando que nem comida demais na boca. Eu preciso ouvir os passarinhos de novo, Deus, como eu preciso dos passarinhos. Aviões e alarmes ainda podem me matar. O pó preto no pulmão é só um detalhe.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

ID (Attention! This is not a metaphor.)


No meio do caminho tinha uma caranguejeira. Gelei. Se considerar os dois semestres inteiros de aulas de INVER toda sexta à noite naquele laboratório que a gente chamava de AQUÁRIO porque ficava em frente à entrada do CA e de onde, através de janelas enormes, nós assistíamos o desfile do pessoal já com a cerveja na mão, se considerar que eu havia estudado muito, a conclusão é que eu deveria saber das qualidades das caranguejeiras de serem peludas, horrendas e pouquíssimo agressivas. Mesmo assim, naquela noite quente sem lua no sul do México, uma menina mimada eu virei. Pavor. Situemo-nos.
Viajava eu sozinha pela rota maia, cruzaria a fronteira entre Chiapas e a Guatemala no dia seguinte numa canoinha ridícula através de um rio marrom para visitar cidades perdidas e vulcões dormentes e ali, mesmo dentro de um hotel, uma versão extra-large da úmida mata Atlântica erguia-se all around. Voltava do jantar. Estávamos a sós, a aranha e eu mesma, cara a cara, nem mais nem menos. Travei. O caminho era estreito, mas era só dar mais um passinho, meio grande, por cima dela, e continuar até chegar no meu quarto-bangalô. Nunca conseguiria. Viajar sozinha e me embrenhar na selva no meio da América Latina, tudo bem, super normal, mas aproximar-me daquele invertebrado pré-histórico (hífen sim, hífen não, hífen sim,... cada vez uma margarida...) era algo que minha natureza mais primitiva, primitivíssima ali em Chiapas, considerava impensável. Medo instintivo, hoje em dia, é uma emoção para poucos. Talvez fosse privilégio. Nem se pensa nisso. Mas ele está lá, naquele pedacinho medular e misterioso na raiz do cérebro, naquela parte homóloga ao cérebro da sua cachorra, lá está ele, com seu interruptor pronto para ser acionado. Minha cachorra sim, me entenderia, mas ela não estava ali. Em compensação, as árvores monumentais eram verdadeiras presenças e pareciam se divertir. Qualquer criança maia teria rido muito de mim. Mas era só eu a as duas naturezas, a de dentro e a de fora.
A sinfonia de cigarras era constante e ensurdecedora e só cessava em fade out de quando em quando, quando o céu pesado preparava para despencar mais uma das duchas niágara que desapareciam tão rápido quanto chegavam. Mesmo nesses segundos que precediam a chuva, não havia silêncio. As cigarras davam lugar aos macacos machos que urravam e balançavam galhos para chamar suas famílias como se fosse o fim do mundo. Eu pensava: e se as cigarras sumissem, será que os macacos saberiam quando urrar? De qualquer maneira, os minutos passavam e a aranha lá, empacada. Era evidente que aquela invertebrada específica não equivalia à caranguejeira que morava no pequeno aquário do instituto biológico. O mundo se invertia e ali a estranha era eu. Acho que ela deve ter me olhado de cima a baixo, estranhando. Eu teria, se fosse ela. Afinal, ali era o bairro e a rua da caranguejeira e eu, forasteira, queria passar! A civilização é mesmo biologicamente muito besta. Talvez aquelas civilizações mortas e violentadas que haviam habitado aquele lugar antes da Europa começar a vazar, talvez elas fossem mais normais. Eu confesso que no meu momento mulherzinha da cidade mudei de rumo, dei uma volta imensa por outra trilha até chegar no meu quarto-bunker embalado em telas por todos os lados, pelo outro lado. Antes de entrar, olhei para a trilha e vi que ela estava lá ainda, existindo ali no meio do caminho. Foi a última vez que nos vimos. No outro dia de manhã, ao despertar e abrir a porta da frente, não encontrei mais minha imponente anfitriã.

sábado, 16 de outubro de 2010

Perder

Eu queria me perder, desprender, desamarrar a canoa e a alma e abraçar a sereia, cantar junto da água, navegar sem ir, dar um passo sem perder o chão, perder um tanto de tento, um tanto cheio, tanto quanto tudo que pode encher, transbordado e com cheiro, mas não tanto até estiar. Perder amando, como se só isso fosse marcar, fosse justificar, fosse ser. Amar como última amarra. Sagrada. Amar.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

O inominável

Ficar sozinha naquela casa nova, imensa, estranha, tendo que conviver intensamente comigo mesma já era, por si só, enlouquecedor. Meus medos, meus erros, minhas inabilidades, perambulavam como fantasmas. Era um excesso de eu mesma absolutamente contraproducente. Elaborava, por distração e meio sem querer, fantasias infantis de coisas inesperadas. Qualquer coisa que acontecesse poderia, eu achava, tirar-me daquela auto-reflexão forçada e cruel. Nessa altura do campeonato, depois de encarar tanta realidade, eu já deveria ter aprendido que o Destino é um bicho que não vale nada. Você quer surpresa? Aí está, Maria Clara, deal with it! E estava mesmo! Ali, na minha casa nova, na minha almofada de onça, algo entre sentado e deitado, mas de qualquer maneira, parecendo estar confortavelmente instalado, ele, o inominável. Nenhuma coleira com identificação (o que, na minha opinião, deveria ser obrigatório!) indicava quem era seu dono. Simplesmente me olhava.

O que senti de imediato foi nojo, instintivo e visceral, nojo mesmo. Talvez por isso, a Curiosidade com suas oito pernas peludas tenha se demorado alguns minutos. Por fim, veio coçar-me. Meio desconcertada, tive que procurar nas páginas soltas daquele código moral de bolso que consultamos só quando os apuros são realmente respeitáveis o procedimento padrão correspondente ao caso. Aquilo não me pertencia, não podia me pertencer e, afinal de contas, uma pessoa como eu não arrisca ultrapassagens indevidas nas fronteiras alheias. Sou firmemente contra as invasões. Por outro lado, é importante lembrar que uma situação inusitada, fora de hora e nojenta como essa pede um senso de critério e justiça pessoal que muitas vezes encontra-se emperrado ou enferrujado. No susto, me peguei imaginando o que ela teria dito se ainda estivesse aqui, nessa casa, nesse mundo, se ainda estivesse disponível para algum tipo de surpresa. Queria que a ajuda viesse dela. Ninguém mais me entenderia, ninguém mais saberia valorizar a oportunidade nojenta, eu sei, mas ainda assim uma oportunidade singular de mudar os paradigmas que regem as tomadas de decisão de esposas fracassadas e donas de casa sem talento. Não só eu, mas todo o segmento precisava da opinião dela. Entretanto, ela já não estava mais e essa linha de pensamentos só serviu para aumentar minha carga de responsabilidade perante, bem, como direi, aquilo. Pelo menos, aquilo estava quieto. Pensei com arrependimento nos livros de auto-ajuda que eu comprei e não li. Talvez algum deles tivesse alguma dica, alguma idéia mesmo que vaga de como proceder quando o inesperado ousa em se materializar. Fiquei ali, durante algum tempo, pensando essas inutilidades e devolvendo aquele olhar.

Quando dei por mim, já escurecia. Só uma monga como eu poderia passar o dia e depois a noite ali, sentada, entre o nojo e a indecisão. Não, a noite é diferente, a noite eu não suportaria. O meu rotineiro e infantil medo do escuro aumentou de tal maneira a minha aflição que eu senti que finalmente toda a poeira cósmica depositada tanto no sótão como no porão da minha mente havia formado redemoinhos. Depois de tanto nada, aquela adrenalina no sangue pareceu ter vindo dos melhores traficantes. A coragem e a clareza brotaram do fundo meus instintos mais basais. Lembrei dela novamente, e da sua inseparável máquina fotográfica que agora era minha e dormia continuamente na gaveta da cômoda em cima dos álbuns de scrapbook que ela havia tão carinhosamente montado. Acho que foi aquele pedaço concreto dela, da minha querida, que me tirou daquela abstração idiota e me lembrou da urgência fundamental. Ela me fez agir. Vinte minutos depois, já no táxi rindo como uma louca, depois de deixar aquela casa abismal para todo o sempre com uma pequena mochilinha nas costas, eu ainda não sabia do incrível prêmio de fotografia que o registro daquele dia me faria ganhar.