quinta-feira, 20 de maio de 2010

O primeiro segundo

A mamãe e a tia esperavam minha opinião, enquanto eu, sentada na mesma mesa de cozinha onde tantas vezes tomamos café, segurava seus resultados do exame de sangue. Do ponto de vista científico, os resultados eram mesmo inconclusivos e foi isso que eu disse a elas, antes de levantar os olhos e te encontrar parado na porta da cozinha com a mão no pescoço que doía. Ao te ver ali, de chinelos e abatido, achei que tinha ficado frágil e eu soube daquilo que eu nunca poderia dizer a elas. Não havia como saber, mas é assim: de repente, não há dúvida alguma, sabe-se. Soube que você ia embora logo e que você sabia disso. Num instante, tudo muda, o mundo vira outro lugar e a sua vida vira outra coisa. Um segundo e éramos cúmplices, sabíamos o que era melhor não saber. Na verdade, acho que não chegou a um segundo o tempo que eu levei para te perdoar, implorar o seu perdão com o olhar e tornar-me sua aliada. Naquele exato momento já comecei a sentir a tua falta, essa falta que desde então é parte constitutiva de quem eu sou e que é minha e preciosa. Quando eu percebi que você ia embora, fiz você se mudar para um lugar dentro de mim de onde você não pode mais escapar. Você ficará aí, até o dia em que eu precise me mudar para um mundo de dentro de alguém, antes de ir embora desse mundo que é sempre diferente e sempre imprevisível.

Um comentário:

  1. Jane, tens uma forma singular de descrever sensações e sentimentos.

    Lamento pela perda.

    BJ

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